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A contribuição dos italianos na formação de Jequié Domingos Ailton

15/9 A contribuição dos italianos na formação de Jequié  Domingos Ailton

No século XIX quando Jequié ainda era uma pequena povoação, o italiano José Rotondano esteve em terras jequieenses. “Por volta de 1878, visitou Jequié, um arraial em formação, com cinco ou seis casas cobertas de telhas, as demais com cobertura de palhas”, escreveu o historiador Emerson Pinto de Araújo (1997).

Mesmo Jequié sendo um pequeno arraial, circundada de morros como sua terra natal Trecchina, no sul da Itália, José Rotondano, com sua visão de futuro, imaginou que este lugar poderia desenvolver em muito, por conta de sua posição geográfica, sendo um entroncamento de estradas, pouso para tropeiros, mascates, vaqueiros e boiadeiros, sendo também o encontro entre a Mata Atlântica, a Caatinga e a Mata de Cipó, atravessada pelo grande Rio das Contas.

Quando Jequié foi elevada à categoria de distrito de Maracás em 1882, José Rotondano, associado ao seu conterrâneo José Niella criaram a primeira firma comercial de Jequié: Rotondano & Niella. O contrato da empresa celebrado em italiano, foi registrado na comarca de Areia, hoje Ubaíra e contou com a quantia de dois contos de Réis em dinheiro de José Rotondano e 394 mil réis em gêneros de José Niella. A firma comercial pioneira foi instalada na Praça da Povoação ou Praça do Comércio, hoje Praça Luiz Viana.

A firma Rotondano & Niella foi fundamental para o desenvolvimento do comércio da região. Emerson Pinto Araújo lembrava que em um período que não existiam agências bancárias na região, a empresa dos italianos implantou métodos modernos de crediário.

. Rotondano e Niella não só foram os pioneiros da presença italiana em Jequié, mas também incentivadores para que outros patrícios aportassem nas terras jequieenses. Segundo Martina Marotta: “Continuaram com a atividade comercial por algum tempo, mas perceberam que havia a possibilidade de ganhar mais, se estivessem melhor organizados para oferecer suas mercadorias. Eles precisavam de alguém que também pudesse ajudá-los na contabilidade e na ligação com seus fornecedores. Escreveram ao pároco de Trecchina, padre Biagio Schettini, pedindo-lhe que enviasse da pequena cidade lucana uma pessoa capaz de manter contas e escrever bem. Don Biagio, o pároco, enviou imediatamente ao Brasil Carmine Marotta, com apenas quatorze anos (era 1885 e ele nasceu em 1º de setembro de 1871)”. (2025).

Carmine, que passou a ser conhecido em Jequié por Carlos Marotta, era um adolescente muito inteligente e dinâmico a tal ponto que, em 1889, tornou-se sócio da empresa Rotondano & Niella, juntamente com o jovem italiano Ângelo Grisi. Foi também no ano de 1989 que Antonio Lomanto, pai do futuro governador e senador do Estado da Bahia, Antonio Lomanto Junior, chegou a Jequié.

Em 1892, 10 anos depois da instalação da firma de Rotondano e Niella já tinha chegado em Jequié 150 italianos. A empresa pioneira, que passou a ser denominada Casa Grande e depois recebeu o nome de Casa Confiança, foi uma espécie de escola para os trequinenses e de continuidade do trabalho dos pioneiros.

Rotondano e Niella não apenas desenvolveram o trabalho crediário e de vendas de produtos, muitos deles importados da Europa, mascateando de fazenda em fazenda, mas também ensinaram e incentivaram aos agricultores para plantar fumo, café e cacau, uma vez que até aquela época, o homem do campo praticava em Jequié uma agricultura familiar, com produtos da cultura dos povos indígenas que aqui habitavam. Esse trabalho de incentivo aos agricultores teve continuidade com Carlos Marotta, que passou a ser a principal liderança da colônia italiana, quando José Rotondano e José Niella retornaram para a Itália.

O assunto ainda precisa de pesquisa científica para verificar a veracidade, mas levanto como hipótese, que José Rotondano e José Niella eram abolicionistas, mesmo tendo homens e mulheres escravizados. Assim como outros abolicionistas que lutavam contra a escravatura, mas tinham pessoas escravizadas, Rotondano e Niella deram demonstração de que eram favoráveis a liberdade. Um negro escravizado fugiu e o capitão do mato o perseguiu. O escravizado ajoelhou nos pés de Retondano e pediu para ser comprado pelo italiano porque não aguentava mais os castigos do seu “proprietário”. O trequinense atendeu o pedido.

As quituteiras escravizadas Catarina e Quitiliana, pioneiras das chefs de cozinha de Jequié, famosas por seus deliciosos pratos, eram tratadas com muito carinho pelos italianos.

Quando houve Abolição de Escravatura em 1888, a firma Rotondano & Niella liberou os poucos escravizados que possuía e colocou todos barris de aguardente em estoque a disposição dos moradores. Foi uma grande festa! O povo saiu às ruas, houve discurso e passeata puxada ao som da sanfona com as pessoas dançando até altas horas da noite. Todo estoque de foguetes foi consumido, o que só ocorria nas noites de São João e nas comemorações do Dois de Julho.

Em frente ao primeiro estabelecimento comercial de Jequié, a Casa Confiança, surgiu a primeira feira livre do município, com muito incentivo dos italianos, que também passaram o praticar o criatório de gado de raça na Fazenda Provisão.

Em janeiro de 1914 ocorreu uma grande enchente do Rio das Contas, deixando em ruinas a igreja de Santo Antônio, casas comerciais e residências da área central da cidade. Brasileiros que nasceram ou vieram morar em Jequié, a exemplo de Artur Pereira, Antero Cícero dos Santos e Antônio Amaral, propuseram que o centro da cidade fosse transferido para onde está hoje localizado o bairro Jequiezinho, mas prevaleceu a opinião da colônia italiana, que era ainda mais numerosa naquele ano e dominava o comércio local, para que permanecesse onde já estava localizado o centro. Os italianos contrataram o engenheiro Alberto Leal, que elaborou um novo traçado urbano. Jequié ganhou ruas largas, a exemplo da Avenida Rio Branco, Rua Dois de Julho, Rua da Itália e Rua Felix Gaspar. De uma cidade linear, transformou-se numa urbis radial.

Os irmãos italianos Andréa (aportuguesado para André), João, José e Ângelo Leto, inauguraram em 1917 o primeiro cinema de Jequié, o “Cine Italo-Brasil”, que funcionava na atual Rua Trecchina onde hoje existe uma academia de ginástica, próxima do Museu Histórico João Carlos Borges e da Igreja Matriz de Santo Antônio. Em decorrência da precariedade da energia daquele período, o cinema tinha um gerador para seu funcionamento.

Conforme registro de Eduardo Sarno (2003), “Cedroni foi o primeiro fotógrafo profissional de Jequié e André Leto, também de Trecchina, foi o proprietário do cinema “Italo-Brasil.” Fabricava também uma bebida refrigerante de diversos sabores, na época chamada de “gasosa”, que era consumida pelos expectadores após as sessões. Os Fratelli Leto, possuíam também uma usina elétrica”.

Os italianos deixaram marcas históricas na cidade. O relógio e o sino da Matriz de Santo Antônio de Pádua foram doados por eles e trazidos da Itália.

A saga do médico italiano Siro Lilli no sertão de Jequié é digna de episódio de romance histórico e vou fazê-lo no próximo livro que estou escrevendo, O rio que conta. Segundo Andrea (André) Lilli “ele se mudou para o sertão à beira do Mato, para uma aldeia poeirenta chamada Jequié., onde havia também uma pequena igreja e várias casas de tijolos. Ele alugou a mais bonita delas, com um jardim cheio de árvores e um grande pátio cercado e abriu um consultório médico, talvez o único em não sei quantos quilômetros. E aqui, índios e mestiços vinham de todos os lugares para tratamento, chegando em carroças puxadas por cavalos que amarravam ao portão e pagando com galinhas, porcos, mandioca, cestos de frutas, até pássaros coloridos, macacos e outros animais”.

Tendo conhecimento de que indígenas de uma aldeia em Jequié estavam morrendo de febre, o médico Siro Lilli foi para o interior do mato socorrê-los. Duas ou três semanas depois, Siro voltou no caixão. Adquiriu também a tifo tropical que havia dizimado a aldeia indígena.

O italiano Vicente Grillo chegou em Jequié em 1904, aos 15 anos de idade e ao longo da primeira metade do século XX, teve uma projeção nacional. O deputado federal Haroldo Lima em discurso em Jequié, afirmou que o presidente Getúlio Vargas considerava Vicente Grillo um dos maiores empreendedores do Brasil. Segundo Gustavo Almeida, Vicente Grillo “uniu forças com o empresário Assis Chateaubriand e criou a primeira fábrica de gelo da região, o que fez com que sua fortuna aumentasse consideravelmente. Naquela época geladeiras não eram comuns nas residências brasileiras. A ideia de vender gelo na cidade sol foi genial”. É importante destacar que Assis Chateaubriand foi um grande empresário das comunicações no Brasil entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1960, dono dos Diários Associados, que foi o maior conglomerado de mídia da América Latina, que em seu auge contou com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica. Também é conhecido como o cocriador e fundador, em 1947, do Museu de Arte de São Paulo (MASP), junto com Pietro Maria Bardi, e ainda como o responsável pela chegada da televisão ao Brasil, inaugurando em 1950 a primeira emissora de TV do país, a TV Tupi. A convite de Vicente Grillo, Assis Chateaubriand esteve em uma das primeiras exposições agropecuárias em Jequié, que foi realizada na Fazenda Provisão. O historiador Emerson Pinto de Araújo que em uma crônica intitula “Vicente Grillo – Um cavalheiro (e cavaleiro) mui ilustre” conta no livro Capítulos da História de Jequié que o professor Brito depois de constatar a dificuldade de prédios que se adequassem ao funcionamento de uma escola de ensino médio, “procurou Vicente Grillo e foi categórico:

- A vinda para aqui está em suas mãos. Ceda o palacete, e o ginásio será instalado.

A resposta veio rápida, sem tergiversação:

-Bobagem... Se depender somente disso, o ginásio já está fundado. Vou desocupar o prédio e, dentro de oito dias, lhe entregarei as chaves”.

‘Assim nasceu o primeiro estabelecimento escolar de ensino médio em Jequié na década de 1930, no oponente Edifício Grillo.

Vicente Grillo doou terras para construção de várias instituições e repartições públicas em Jequié.

O gelo da Fazenda Provisão era transportado inicialmente em carro de bois, conduzido pelo carreiro de confiança de Vicente Grillo, Carlos Candido Lima, “Seu Miúdo”, que apesar do apelido, tinha quase dois metros de altura. Tempos depois, passou a ser transportado em um jipe dirigido pelo próprio Vicente Grillo, que dava carona as lavadeiras de Jequié para lavar roupas de ganho nos riachos da Provisão, como lembra a lavadeira Lúcia Lima.

Eduardo Sarno (2003), destaca a relevância da Fazenda Provisão: “Em 1936, Shettini refere-se ao comércio de Jequié “de certa importância”, expressão modesta para retratar o que era, naquele ano, a fazenda Provisão de Grillo, Marotta & Cia. Apelidada como “Suiça da Bahia”, a fazenda tinha uma cascata, com planos para ser aproveitada como produtora de energia, fábrica de gelo, estrada e linha telefônica para Jequié. Como criadores, tinham premiados em várias exposições, todas das melhores raças: do garrote Indubrasil, aos reprodutores Mangalarga e Sublime, dos Carneiros Bergamasco e Marino”.

Com o tema: “As relações culturais entre italianos e baianos”, a IX Edição da Festa Literária Internacional do Sertão de Jequié – Felisquié, que será realizada no período de 21 a 23 de outubro, vai homenagear a memória de artistas, promotores culturais italianos e seus descendentes.

O desfile cultural que comemorará os 128 anos de Emancipação Política de Jequié, que ocorrerá dia 25 de outubro, também homenageará as marcas históricas italianas no município, com o tema: “A contribuição dos italianos na formação de Jequié”.

Referências

Almeida. Gustavo. Jequié na década de 1940. Página do Instagram “Jequié histórias”. Acessado em 06/09/2025

Araújo, Emerson Pinto. Capítulos da História de Jequié. Salvador: EGB Editora, 1997

Lilli, Andrea . A história de Siro: Um médico italiano no sertão brasileiro. In: Revista Sarapegbe, A. 13, n.29-30 (ago.- dez.2024) https://www.sarapegbe.net/articolo.php?quale=330&tabella=articoli. Acessado em 06/09/2025

Sarno, Eduardo. https://familiasarno.blogspot.com. Acessado em 06/09/2025

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