×

Ministério Público Federal aponta falhas do Governo da Bahia nos conflitos envolvendo povos indígenas

24/1 Ministério Público Federal aponta falhas do Governo da Bahia nos conflitos envolvendo povos indígenas

A Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado da Bahia e o Ministério Público Federal vêm a público manifestar preocupação com a flagrante ausência de medidas estruturais e efetivas por parte do Governo Federal e Governo do Estado da Bahia diante dos contínuos e reiterados ataques sofridos pelos povos indígenas em nosso Estado.

É inaceitável que, mesmo cientes dos recorrentes episódios de violência aos povos indígenas e comunidades tradicionais, os governos estadual e federal não tenham implementado medidas efetivas para garantir a segurança desses grupos.

As instituições signatárias desta nota, desde o início de 2023, portanto, há mais de um ano, têm formulado diversos pedidos encaminhados aos entes estatais, clamando por um programa de segurança voltado às necessidades e especificidades destes grupos vulneráveis. No entanto, a resposta até o momento tem sido insuficiente. Nesse sentido, convém rememorar algumas iniciativas das instituições subscritoras.

Em resposta ao assassinato de três jovens indígenas pataxós - Gustavo Conceição (14 anos) em 4 de setembro de 2022, Nawir Brito de Jesus (17 anos) e Samuel Cristiano do Amor Divino (25 anos) em 18 de janeiro de 202 - o Ministério dos Povos Indígenas instituiu um Gabinete de Crise (Portaria GM/MPI Nº 2) para "acompanhar a situação de conflitos na região do extremo sul da Bahia". Após apurações preliminares, constatou-se o envolvimento de uma milícia armada, composta por policiais militares, nos assassinatos.

Embora encerrado sem resolver ou apontar soluções para a crise, o gabinete promoveu um diálogo entre os atores políticos e sociais envolvidos, gerando reflexões sobre a eficácia das instituições na proteção dos direitos indígenas. Entretanto, durante as reuniões do Gabinete, o Governo do Estado negou as diversas solicitações feitas por lideranças indígenas da região para utilização da Força Nacional, assegurando que a violência poderia ser contida pela força de segurança local - mesmo ciente do envolvimento de policiais militares que atuam na área dos episódios de violência.

Em março de 2023, o governo estadual lançou o Plano de Atuação Integrada de Enfrentamento à Violência contra Povos e Comunidades Tradicionais, focalizado na região do Extremo Sul. No entanto, o programa revelou-se insuficiente para conter a violência, pois além de se limitar a apenas 6 (seis) municípios do Extremo Sul, não promoveu alterações substanciais na abordagem da segurança pública. O Plano, elaborado sem a participação dos órgãos que atuam na defesa dos direitos dos Povos e ignorando sugestões das lideranças, se revelou ineficaz.

Ainda em março de 2023, o Fórum em Defesa das Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, instituído pelo MPF em 2022 e que conta com a participação das Defensorias Públicas e outras entidades, endereçou uma carta ao Presidente da República, com cópia para várias autoridades federais e estaduais, narrando o histórico de conflitos e violência que assolam as comunidades indígenas e tradicionais da Bahia. Adicionalmente, o Fórum encaminhou 50 proposições específicas, dentre elas (1) "a criação de uma unidade de Investigação Especializada para tratar de casos relacionados a Povos e Comunidades Tradicionais" e (2) "a formação de força de segurança especializada e capacitada apta a monitorar as regiões de conflito, evitando a perda de vidas humanas e investigando fatos e autores para fins de prevenção e responsabilização".

Diante do assassinato de Mãe Bernadete, as instituições voltaram a cobrar providências do Estado através do Ofício nº 486/2023/PR-BA/16ºOTC/RRSMTA, enviado em 18 de agosto de 2023. No documento, endereçado ao Presidente da República e ao Governador da Bahia, os órgãos reiteraram a solicitação de criação de uma política de segurança pública culturalmente apropriada para as comunidades tradicionais e indígenas.

Diante da ausência de resposta efetiva, as instituições enviaram o OFÍCIO CONJUNTO DPU/MPF/DPE Nº 01/2023, em 06 de setembro, solicitando uma reunião com a Secretaria de Segurança Pública para discutir os pedidos formulados no ofício anterior. A reunião foi realizada no dia 14 de novembro, às 10 horas e, apesar da ausência do Secretário de Segurança Pública, foi mencionada a necessidade de se fazer um mapeamento das áreas de conflito para avaliação do pedido.

Em outubro do corrente ano, as instituições enviaram o OFÍCIO CONJUNTO MPF/DPU/DPE Nº 03/2023 à Governadoria, a fim de comunicar o episódio de violência que culminou na morte de seis pessoas ciganas, requerendo, na ocasião, a adoção de medidas estruturais capazes de mitigar o quadro de violação sistematizada de direitos humanos dos povos ciganos e das demais comunidades tradicionais da Bahia. Por meio do referido ofício, as signatárias reiteraram as solicitações anteriores, formalizando, ainda, um pedido de reunião com o governador.

Posteriormente, em 24 de novembro de 2023, a comunidade remanescente de quilombo da Gamboa do Morro, no Município de Cairu, foi vítima de uma ampla operação da polícia militar marcada por excessiva violência, envolvendo o uso de gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os habitantes locais. Na ocasião, uma senhora que presenciou a violência infligida a um de seus filhos faleceu após um mal súbito. Por conta desse episódio, em 28 de novembro de 2023, as instituições enviaram o OFÍCIO CONJUNTO DPU/MPF/DPE Nº 04/2023, reiterando o pedido de reunião formulado, sem que qualquer resposta tenha sido dada até o momento.

A proteção dos direitos indígenas é um dever do Estado através de todos seus entes federativos, conforme preconizado pela Constituição Federal e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. A postura governamental adotada até aqui viola os direitos humanos e perpetua um ciclo de violações e injustiça que faz com que o sangue indígena continue sendo derramado com a conivência do Estado brasileiro.

Assim sendo, a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado da Bahia e o Ministério Público Federal, mais uma vez e em caráter de urgência, solicitam reunião diretamente com o Governador do Estado da Bahia para apresentar e explicar propostas aptas a garantir efetividade à proteção e aos direitos das Populações Indígenas e demais Povos e Comunidades Tradicionais, em busca da pacificação em território baiano.

Contador de Cliques


Deixe um comentário:



Captcha